segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um vizinho ouve em loop várias vezes ao dia, vários dias, muito alto, o Show must go on, dos Queen. Para além de assustador, deixa-me com várias alternativas sobre o que pensar em relação ao assunto:
A) Pobre coitado/a não tem mais nenhuma música. 
B) É obsessivo compulsivo.
C) Aponta uma arma à sua cabeça enquanto ouve a música. 
D) É uma cena de um filme do David Lynch e é por isso que a música aparece em loop várias vezes na cabeça de uma personagem, que nem sabemos se existe mesmo.
E) Não há vizinho. Não há música. É tudo na minha cabeça.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Houve Tempos




Houve tempos
Em que caminhava sozinha até casa
E gostava ir de a cantar e a dar nomes
Às estrelas.
Ainda sei alguns de cor.
As estrelas tinham o significado que eu
Queria que tivessem, nada a ver com
Constelações e leis de astronomia.

Houve tempos
Em que fazia do varão do cortinado
O meu espaldar e sonhava com tule
Cor-de-rosa e lagos de cisnes.

Houve tempos
Que o pico de adrenalina dos dias
Era correr o mais depressa que podia
E ficar em primeiro lugar na fila de almoço.
Às vezes caía, mas ficava em primeiro.
Para poder inventar coisas no resto do almoço.

Houve tempos
Tempos que não lanchava
Só para ter dinheiro para comprar gomas
E chupas com açúcar ácido
Que não me alimentava para ter espaço
Para os croissants com chocolate quentes.

Houve tempos
Em que os bonecos eram os meus amigos
Que os sentava todos alinhados
Como se estivessem num quartel
Ensinava-lhes português,
Cantava e dançava para eles
Como se a qualquer momento pudessem
Ganhar vida,
Abandonar aqueles corpos amorfos
E os olhos parados me pudessem ver.
Sempre foram o meu púbico favorito.

Houve tempos
Que imitar as coreografias da televisão
Era o melhor que podia acontecer,
Fugir das aulas de música
Para brincar naquela casa abandonada
Era a maior das aventuras.

Houve tempos
Que uma troca de olhares despoletava
Gargalhadas compulsivas durante horas
Em sítios onde não se podia rir
Tempos em que as palavras escritas
Em pequenos cadernos perfumados,
Eram como segredos da Nasa.
Houve tempos
Que carrosséis eram uma droga alucinogénia
Tal era a euforia, o bater do coração.
O mesmo com bolas de gelado,
Castelos insufláveis, baloiços.

Houve tempos
Que saltar num trampolim
Era o maior impulso para a liberdade,
Para chegar a algum lado
Que apenas eu conhecia
Onde só as minhas asas me podiam levar.

Houve tempos
Que me atiraram para aqui
Para esta realidade.
Houve tempos
Que a realidade me amachucou
Como uma folha de papel
Que me pôs o pé em cima
Houve tempos
Em que lhe ganhei,
Que lhe atirei a língua de fora,
Bati com o pé no châo, cruzei os braços
E levei a minha avante.
Os tempos trouxeram-me
Tudo aquilo que fiz em tempos.

Houve tempos, mas sei que existirão
Muitos mais.