quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Lá vai a desgraçada

Lá vai a desgraçada
Sem nada em que acreditar
Sem saber de nada

Lá vai ela
Tropeçando nos passos
Vendo reflexos nas janelas

Tentando esconder embaraços
Os dos outros e os dela 
Vai à espera que a vida se acabe

Escondendo cansaços 
Amarrotando o que sabe
Às vezes vai insultada 

Mas não consegue fugir
E segue desgraçada
Com golpes por desferir 

Segue com a roupa rasgada
Com o rimel esborratado 
É a vida de uma desgraçada

Que não escolheu um lado
Só o das pedras dos castiçais
O que bastava para ser feliz

Soluçando, esconde os sinais
Cola os bocadinhos de verniz 
Pega nos seus restos mortais

E vai, vai desgraçada
Trocando o certo pelo incerto
Despertando os órgãos vitais

Ainda assim é uma chama apagada
Cai como uma bala de chumbo
Em câmara lenta

Fica a aguardar pelo fim do mundo
Espera por ali deitada
Que venha o padre com a água benta

Que lhe cure todas maleitas
A deixe curada
E de malas feitas

Ele que a leve arrastada 
Se for preciso
Que desenhe uma cruz no umbigo

E lá vai a desgraçada 
Presa pelo pé ou por uma mão
Vai de língua anestesiada 

Com a caixa de sapatos novos 
Metida no lugar do coração
Tantas desculpas, todas em vão

E continua a desgraçada
Embrulhada num lençol de emoções
A ser puxada aos tropeções 

Perguntaram-lhe um desejo
E ela pensativa
Com lábios em forma de beijo 

Respondeu limpando a saliva 
Que queria voltar de alma lavada 
A agradecer tudo o que tem

Não ter de dar explicações
Continuar a ser uma desgraçada 
E desgraçar-se com alguém. 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O aborrecimento é uma maldição

O aborrecimento que mata lentamente
Olho para eles e sinto-lhes 
O sangue que corre na medida certa
O sorriso mil vezes ensaiado
Os batimentos cardíacos alinhados
A concentração de paus mandados
As mãos sempre secas
Das coisas iguais, 
Perfeitamente arrumadas
Falso o fogo, 
Imagens projectadas
Umas atrás das outras
Como lhes disseram que tinha de ser
Tudo no tempo certo
Grande equilíbrio e ponderação
O gosto adocicado na boca
Erros corrigidos 
Que nunca mais se repetem
O cabelo alinhado
Parem! 
Alguém que os acorde,
Que lhes amarrote a roupa
Alguém lhes dê um abanão
Alguém lhes explique que
O aborrecimento é uma maldição
Transforma-os em bonecos de cera
Em pouco tempo
O aborrecimento mata lentamente
Quando perceberem será tarde demais
Não haverá salvação
Já não tropeçarão nas palavras
Nem poderão voltar atrás
Sentir o formigueiro no estômago
O entusiasmo das luzes
Estarão mortos
Sem fazerem a mínima ideia 
E seguem sem arrependimentos
Adoráveis na sua perfeição
Dias sem noites
Mas o aborrecimento mata lentamente
É uma maldição
Sem colete à prova de balas
Optimismo eloquente
Na maior parte do tempo
A língua sem cortes
Esperança e certezas imaculadas
Os não impulsos 
A energia na voltagem certa
Os pulsos para usar pulseiras
Terrenos de conforto
O vazio preenchido com vasos de flores
O aborrecimento é uma maldição
Feliz de quem não nasceu debaixo
De tais sombras
Alguém que os avise
A perfeição das pequenas coisas
A realização pessoal
É uma bruxa com um cesto de maçãs
Acham-se adoráveis na sua perfeição
Bafejados pela sorte
Mas, não são bonecos de cera
Cheios de certezas
Paus mandados a cumprir 
Como lhes disseram para fazer
Parem!
Fujam
Corram com aquela força nas pernas
Aquela que tiveram um dia
E que o aborrecimento
Vos está a roubar.
Uma vez abraçados por tal maldição
Não haverá para onde ir
As pernas, os braços, o coração
Tudo se transforma em cera
E seremos obrigados 
A viver neste museu para sempre



quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Não tenho memória curta.
Tenho óptima memória a longo prazo.

Não tão boa a curto prazo. 
Não tenho memória curta
Felizmente tenho melhor coração
Do que memória
O coração ajuda a seguir em frente
A memória a não me pôr a jeito 
Seja curta, boa ou má. 
Seguindo com a certeza
Que o coração é maior.