sábado, 16 de maio de 2015

Disseram para os deixar
Para os pôr de parte e seguir noutras direcções
Disseram que deixasse os poemas irem
Caminharem sozinhos
Disseram que lhes desse asas
Não consigo
Sou a mãe deles
É impossível uma mãe separar-se dos filhos
Pode afastar-se, passar tempos fora
Sentir-se pressionada por eles
Mas abandonar os poemas: nunca.
São quem eu sou, fui eu que os fiz
Com amor e prazer
Mesmo quando não gosto deles
Não posso abrir a janela e dizer: adeus.
Disseram que podia ser mais feliz noutros lados
Ter mais notoriedade
Compreendo. Seria até agradável,
Se estivesse à procura de alguma notoriedade
Ou tipo de felicidade
É tudo sobre o isolamento,
O transe em que as mãos se mexem num teclado
Às ordens sabe-se lá do quê ou de quem
Um poeta uma vez disse que a primeira frase
De um poema é sempre dada por algo divino
O resto é trabalho.
Só os que vestem este fato é que percebem
O que ele quis dizer, só eles
O fato pode nem sempre servir bem,
Precisar de umas bainhas, de um botão pregado
Mas a vida é mais bonita deste lado
A terra vista daqui é um palácio
O céu é um mar
Como é que se deixa isto ir embora? Como?
Não posso libertar-me da rede
Onde me enrolo há anos e anos.
Melhor, não quero.
Tenho que escoar para algum lado
O que me corre nas veias
Disseram para os deixar e eu pensei
É impossível. Eles perseguem-me para todo o lado
Mais do que uma sombra,
Que uma assombração.
Ordenei-lhes que fossem
Recusaram-se a ir
Habitam no meu corpo há demasiado tempo
Sou propriedade deles por usucapião
São os poemas quem decide quando ficam

Ou vão. Eu sou só o mensageiro.