Consigo ver o mar
Quando as noites não são maiores Do que os dias
Consigo ver o mar
Quando a água não me fere os olhosO sol me queima a ponta dos dedos
Consigo sentir a aurora
Quando o frio não me corrói os lábiosE o medo, a alma
Consigo sentir a alvorada a fugir-me
Entre os fios de cabelos
Entrelaçados pelo vento
Consigo ver o mar
Sentir a espuma
Ouvir os peixes nos seus afazeres
Cardumes que se cruzam com outros
Ao ritmo Do bater do coração
Consigo ver o mar
Quando as noites não são maioresDo que os dias
Consigo sê-lo
A bater contra a areia, rochasFalésias. Zangada, alvoraçada
Consigo sê-lo
Arrastar tudo comigo para o fundoPara depois flutuar em paz
Sinto o cheiro da maresia fria
Entrar-me pelo narizComo se inspirasse pedaços de vidro
Ergo a mão para o sol
Faço-o descer. Faço voltar a noiteEnquanto me afogo num pranto
Presa nas redes de um cérebro atordido
Cansada das marésDemasiado cheias ou vazias
Consigo sentir a alvorada a fugir-me
Enquanto tento ficar Segurar-me ao que a aurora me traz
E acima de tudo me leva
Sei que mesmo de olhos fechadosConsigo ver o mar