sexta-feira, 24 de abril de 2015

Evereste

Sabes que fizeste as pazes com o passado
Quando te ris dele, 
Quando consegues falar sem que as palavras 
Te pareçam injecções
Olhas para trás e tudo parece ter ficado
À distância de uma viagem de mota
Sem capacete num final de tarde
Simplesmente sabes ou vais saber
Quando o presente for o teu número
E deixar de te apertar
Quando parares de te pôr dentro de recordações
Que não são tuas, não são para ti
Aí sabes
Não precisas de erguer os braços para o céu
Ou fazer uma de dança estúpida de
Agradecimento e devoção
Se nunca te zangaste com o teu passado
És um sortudo
Quando te zangas o caminho é pior
Mais escuro e lamacento
Aprende-se mais
Não vale a pena forçar se não o fizeste antes
Se não sentiste antes
Não o vais viver no futuro
Não vale a pena fazer perguntas
Teriam de já ter nascido contigo
Deixa, vive a tua vida sossegado
Nascer cheio de perguntas e de inconformação 
Nem sempre é uma bênção
Sabes que fizeste as pazes com o passado
Quando te ris, 
Quando sobes para um banco
E vês tudo lá do cimo
Deixa-te estar
Para os outros é um banco
Para ti é o Evereste
Escalado a suor e fogo

domingo, 12 de abril de 2015

Migalhas

O que ficou em cima da mesa
Foram pensamentos
Deixados como migalhas
Tudo ali naquela confusão,
Mil bocadinhos
O que se fez quando não podia ser feito
O que não se fez quando devia ter sido feito
Parecem um espelho partido
Junto-as com os meus dedos
Prendem-se nas unhas
Não se querem soltar de mim
Faço desenhos com elas
Construo sonhos
Sopro-as,
Agarradas às minhas unhas
Formam todo um começar de novo
O final do que resta, do que ficou
A minha memória foi cortada às fatias
Antes destas migalhas ficarem esquecidas

Não consigo passar um pano e seguir
Respiro a melancolia que emanam
Como um vício
Que não consigo deixar
O silêncio destes mil bocadinhos
Prefiro enlouquecer
A viver sem elas,
A juntá-las repetidamente
Como se tivesse medo de perdê-las
Gosto de ser alimentada
Por estes restos
Descem pela minha boca
Como bolas de fogo
Aterram dentro de mim como borrões

A inteligência é demasiado cruel
Para quem a tem
As memórias são um piano em decadência
Não param de tocar
Umas vezes doces, outras lancinantes
As migalhas na mesa
São uma bênção
Aqueles mil bocadinhos
Ressuscitaram o que estava morto
Aqui dentro

E toda eu sou flores.