segunda-feira, 30 de abril de 2012

Não é para casar não se mexe




A avó está sentada no sofá a ver reclames (como ela lhe chama). Dá o anúncio do Compal Light Morango/Melância, em que um casal se beija à grande e à francesa. Comentário da avó: Eu só espero que estes dois sejam casados! Sim, que sejam marido e mulher e que não estejam a fazer isto só para o anúncio, porque isto é uma grande porcaria, estarem ali naquela... Pastilha... Um com o outro. Só podem ser marido e mulher, pois claro. Que horror! - Saio a rir . Já me dizia um transeunte na rua: Não é para casar, não se mexe.

domingo, 29 de abril de 2012

Cosi a boca

Abracei o silêncio
Envolvi-o com os meus braços
Com as minhas pernas
Mergulhei todo o meu cabelo
E deixei-me submergir

Cosi a boca para não mais falar
Para não se confundir o riso
Com excesso de confiança
Para não se interpretar mal
As palavras pronunciadas

Sigo em silêncio, de boca bem cosida
Os olhos mais abertos que nunca
E os ouvidos são de tísica
O cérebro vai à velocidade da luz
Processando as palavras não ditas

Consome-as, rasga-as, evapora-as
Através da transpiração do corpo
E que bem que me sabe este silêncio
O não tropeçar mais na compreensão
Que nunca me foi dada

Fico a observá-los do alto
Do meu silêncio
Matam-se e esfolam-se em disputas
De felicidade, de egos, de poder.
Isto é uma vida, não é uma guerra

Os seres humanos que não conseguem
Ser felizes, precisam de guerras interiores
Ou compradas para se alimentarem
Chamam os amigos, sentam-se à mesa
Dão as graças, brindam e comem tudo.

Sempre me deu vómitos,
A minha esofagite de refluxo
Nunca me permitiu engolir certas coisas
O silêncio ajuda a proteger as paredes
Do estômago, acalma o ardor.

A boca cosida impede-me
De participar em genocídios
Que me colocam na linha da frente
E que bem que me sabe este silêncio
O colete à prova de balas

Sento-me aqui,
Baixo as armas e rendo-me
Cruzo os dedos e faço figas
Que tenhas aprendido a linguagem
Dos meus olhos...

Os seres humanos que não conseguem
Ser felizes, precisam de guerras interiores
Ou compradas para se alimentarem
Chamam os amigos, sentam-se à mesa
Dão as graças, brindam e comem tudo

E eu... Eu, de boca cosida,

Abracei o silêncio
Envolvi-o com os meus braços
Com as minhas pernas
Mergulhei todo o meu cabelo
E deixei-me submergir.




domingo, 22 de abril de 2012

Escrevi um texto que não é meu

Um conhecido, talvez um amigo da altura, que não vejo há muito, muito tempo. Uma pessoa perturbada, daquelas com vidas complicadas e que eu costumava ouvir, ele falava durante horas seguidas e eu só o ouvia. Pouco ou nada tinha para lhe devolver, era nova, inexperiente e a minha vida era complicada, mas só na minha cabeça atrapalhada. Um dia ele disse-me: Pega num papel e numa caneta e escreve o que te vou dizer. Hesitei. Ele insistiu: Escreve! Depois deitas fora. - Tomei nota do texto abaixo.   

"És tão bonita
Que me apetece passar a mão
Na tua cara
És tão diferente de tudo
Isso assusta-me
Tu és linda
Eu não desisto, mas ser forte
Não chega
Tenho mil exemplos à minha volta,
Quer deste lado, quer de inúmeras
Pessoas que passaram para o outro.
Sofri demais
Mesmo assim isso não chega para ser forte
Tu és gira.
És diferente
Isso é mau.
És tão bonita
Que só me apetece passar a mão
Na tua cara
É o que me apetece fazer agora
Mas não tenho força para isso.
É mais fácil deixar-me levar
Pela corrente, do que lutar
Com tudo o que já sofri directamente
E indirectamente
Mesmo assim a força não chega
Eu não desisto
A tua face é tão bonita
Que só me apetece tocar-lhe.
Dizer-te o quanto és diferente.
E o quanto isso me assusta.
Agora a força foge-me.
A cada passo da minha vida
Sem destino.
Mas no final de tudo.
E que nem sequer tem a ver contigo
Se eu morresse agora.
Morria feliz."

2001/2002

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Às vezes finjo que as teclas do meu computador são um piano e que as minhas palavras são música. Nesses dias o meu nome é Beethoven. Nice to meet you.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Candura

Há uma doçura que se perdeu
Uma candura que desapareceu
Um lado quase infantil
Que diziam me dar graça
Partiu-se de vez o lado frágil
Fiquei só com a carapaça

Fico melhor assim
Com esse lado guardado para mim
As lágrimas quase não as tenho
Acabei com o stock todo
Prefiro rir baba e ranho
Divertir-me no meu lodo

Foi-se aquele brilho no olhar
De quem gostava muito de acreditar
De viver rapidamente, de sentir
E aqui vai um salva de amizade
Para o primeiro que se rir
Oh quanta bondade

Há uma ingenuidade que faleceu
Um querer agradar que esmoreceu
As pessoas precisam de muito pouco
Não sabem lidar com genuinidade
Há que baixar o fogo
Fazer uma selecção sem piedade

Foi-se aquela constante teimosia
Que levou consigo alguma magia
Sentem-se na cabeça as peças a mudar
Gere-se a ansiedade
Baixa-se o fogo para não queimar
E vive-se mais perto da realidade.

domingo, 15 de abril de 2012

Amor



- Como é que se tem sentido? – Pergunto-lhe.
- Sabes, é muito difícil. Nós crescemos juntos, andámos na escola juntos, casámos... Em toda a vida o único tempo que estivemos separados foram os onze meses que ele foi chamado para Cabo Verde*. Tivemos as nossas filhas e ainda contávamos muito um com o outro. – Disse com um sorriso triste.
- Compreendo. No caminho para cá, lembrei-me que iria entrar nesta casa, e que ele não ia cá estar e isso fez-me chorar. Eu queria que ele aqui estivesse a rir de todas as parvoíces que digo.
- É verdade. Ele gostava muito de ti, tinhas ali um grande amigo.
- Eu sei. Custa-me muito a minha perda, mas custa-me mais a sua, por saber o quanto eram unidos.
- O pior é mesmo no dia-a-dia. De vez em quando ainda o chamo para me ajudar a fazer qualquer coisa, ou para lhe perguntar coisas... Depois lembro-me que ele não está e que não virá.
- Imagino.
- O melhor, é que se voltasse atrás fazia tudo igual. Voltava a escolher o homem com quem casei há 40 anos e que perdi agora. Não havia outro que escolhesse, se não este. Sempre soube disso.
- Desculpe, mas acho que vou chorar.
- Não chores, menina. - Abraço-a muito.  

*Não tenho a certeza que tenha sido Cabo Verde.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A Razão

Eu não quis ter sempre razão. Aliás, a força está no sentido oposto, em não a ter. Desejei muitas vezes não a ter tido. Tive, sem precisar de dizer mais nada e a cruzar os dedos até àquele último instante em que a razão passava para o meu lado. Não a quero, nunca a quis.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Um dia pensei: Talvez se fosse apenas meia do que sou, fosse mais fácil. Depois percebi que não sei ser meia pessoa. Ou se tem tudo ou nada. Não dou metades de mim. Não aceito receber metades.