Está tudo ao
contrário
As prioridades
tropeçam umas nas outras
Abalroam e
empurram para sítios
Onde não há
nada de novo, áridos
Desprovidos
de sentido, beleza e qualquer sensibilidade
Cidades
inteiras feitas de construções mentais
Sustentadas
em pilares do que era para ser
Ou do que se
quer que seja
São ruínas
Já lá não
mora ninguém,
As plantas
morreram
E há um gato
preto ou outro aos caixotes do lixo
Há bocados de cartão e sacos de plástico pelo ar
Edifícios cinzentos sem paredes, sem telhados
Tudo metade do que era
Tudo metade do que era
Há musgo a crescer entre os paralelepípedos
Onde antes se ouviam gargalhadas
As
construções estão a desmoronar-se
Pedra por
pedra, sonho por sonho
As
prioridades destruíram todas as construções
Como uma detonação massiva de explosivos
É fácil abandonar
o que dá trabalho por felicidade instantânea.
Construções
antigas por falsas construções novas
É mais fácil
pôr em causa as pessoas que estão
Do que as que
nunca estiveram verdadeiramente
É fácil
ser pequenino, assim mesquinho
O egoísmo é
uma hera que ganha vida a cada passo
Sobe e enrola-se
pelas pernas e pelos braços
Até tapar os
olhos e não deixar ver
O que está à
frente do nariz
Desce pela
garganta e sufoca cada palavra
Dá mil voltas e em chegando ao umbigo
Espeta-se
no coração como uma seta
Sempre soube
que um dia seria maior que todas as coisas
Mas continuo
a comer o biscoito errado
Eat me.
E diminuo
cada vez mais, até mal me sentir
Mal ser
notada, mal perceberem que ando por ali no meio
Aos tombos,
aos pisões, à luta com pessoas
Que nunca me
conseguirão ver.
Ao menos que a estupidez
Me fosse servida numa flute de champanhe
Isso sim,
seria uma bênção
Mais fácil de engolir, de saborear
Ter acesso ao outro lado do espelho tem um preço
E se fosse uma
escolha, teria preferido a estupidez.
Encontrar as
prioridades certas é como pescar um peixe vivo
Tentar
agarrá-lo com as duas mãos
Não ser
egoísta não é uma escolha, é uma saída
E as construções, essas, precisaram de ser feitas,
Para serem desfeitas
Para darem
lugar a outro tipo de arquitectura
A que serve interesses muito mais técnicos e funcionais
Do que
estético-sonhadores.
Desta, os muros são
muito altos e existe uma placa na porta
“Proibida a
entrada aos que foram abençoados
Com o dom da
estupidez”.