segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Está tudo ao contrário 
As prioridades tropeçam umas nas outras
Abalroam e empurram para sítios
Onde não há nada de novo, áridos
Desprovidos de sentido, beleza e qualquer sensibilidade
Cidades inteiras feitas de construções mentais
Sustentadas em pilares do que era para ser
Ou do que se quer que seja
São ruínas
Já lá não mora ninguém,
As plantas morreram
E há um gato preto ou outro aos caixotes do lixo
Há bocados de cartão e sacos de plástico pelo ar
Edifícios cinzentos sem paredes, sem telhados
Tudo metade do que era
Há musgo a crescer entre os paralelepípedos 
Onde antes se ouviam gargalhadas     
As construções estão a desmoronar-se
Pedra por pedra, sonho por sonho
As prioridades destruíram todas as construções
Como uma detonação massiva de explosivos
É fácil abandonar o que dá trabalho por felicidade instantânea.
Construções antigas por falsas construções novas
É mais fácil pôr em causa as pessoas que estão 
Do que as que nunca estiveram verdadeiramente 
É fácil ser pequenino, assim mesquinho
O egoísmo é uma hera que ganha vida a cada passo
Sobe e enrola-se pelas pernas e pelos braços
Até tapar os olhos e não deixar ver
O que está à frente do nariz
Desce pela garganta e sufoca cada palavra
Dá mil voltas e em chegando ao umbigo
Espeta-se no coração como uma seta
Sempre soube que um dia seria maior que todas as coisas
Mas continuo a comer o biscoito errado
Eat me.
E diminuo cada vez mais, até mal me sentir
Mal ser notada, mal perceberem que ando por ali no meio
Aos tombos, aos pisões, à luta com pessoas
Que nunca me conseguirão ver.
Ao menos que a estupidez 
Me fosse servida numa flute de champanhe
Isso sim, seria uma bênção
Mais fácil de engolir, de saborear
Ter acesso ao outro lado do espelho tem um preço
E se fosse uma escolha, teria preferido a estupidez.
Encontrar as prioridades certas é como pescar um peixe vivo
Tentar agarrá-lo com as duas mãos
Não ser egoísta não é uma escolha, é uma saída
E as construções, essas, precisaram de ser feitas, 
Para serem desfeitas
Para darem lugar a outro tipo de arquitectura
A que serve interesses muito mais técnicos e funcionais
Do que estético-sonhadores.
Desta, os muros são muito altos e existe uma placa na porta
“Proibida a entrada aos que foram abençoados
Com o dom da estupidez”.