sábado, 28 de dezembro de 2013

Sempre tive medo que a vida me parasse

Sempre tive medo que a vida me parasse
Que o mundo se acabasse 
Que as coisas que odeio se fossem embora
Houve alturas em que tive medo de mudar
Aceitar o que era
E que isso não é necessariamente mau
Medo de sentir o que sinto
O que não sinto
E de achar que sei o que todos sentem
Nem eles sabem
Tive de aprender a viver com as múltiplas 
Vontades, e às vezes, é assustador

Sempre tive medo que a vida me parasse

Que não houvessem dias de sol
Que a euforia desaparecesse
Medo de encontrar o que me faz falta
Se o dia em que vou saber o que quero chegar
O dia em que perco medo
Em que não preciso de procurar mais
Será o meu fim
Insuportáveis são as linhas rectas
Que a satisfação não me seja uma virtude
E os batimentos cardíacos me abrandem

Que a minha música não acabe nunca
Para que a minha vida não se acabe
Sou eu novamente com medo de mudar 
Não quero levitar por cima da vida
Ver-me lá em baixo
Agarrada a um molho de nadas
A ver a vida a passar

domingo, 22 de dezembro de 2013

Se fechar os olhos
Ainda consigo ver os três sentados à volta da mesa
Ouvir o que a rádio tocava
Os sofás castanhos, enrrugados, pele de pêssego
As janelas todas abertas para arejar
O sol que entrava pela janela da sala
O programa da vida selvagem na televisão 
As almofadas verdes, com folhos às flores
Às vezes queimava os joelhos nas alcatifas
As sestas, os sorrisos
Consigo sentir o cheiro da madeira a arder
Seria petróleo aquilo no jornal? 
Depois o cheiro a peixe que se espalhava 
Pela casa toda, misturado
Com o cheiro amargo de brócolos cozidos
O fumo que saía pelas panelas
As fitas para acabar o que tinha no prato
A campainha que tocava para o café
O conforto emocional
Durante anos achei que ia ser sempre assim 
Nada nem ninguém podia destruir aquilo 
Ainda consigo sentir aquela mão na minha perna
Quando fizemos a primeira viagem juntas
A dizer que ia correr tudo bem.
Ela estava feliz. Ele também.
Estavam os três. 

sábado, 21 de dezembro de 2013




Conto as horas a passar
As pessoas a passar
O sol a passar
A noite a chegar
Eu continuo aqui
Nesta bolha
Continuo aqui
Como uma infeliz
A desejar um copo de vinho
De pé alto e balão
A desejar e a contar
Todas as coisas que não
Posso ter.
Hoje é o dia mais curto do ano
Não dou por ela
A noite chegou há muito
E eu só queria um copo de pé alto e balão
O meu corpo de pé
E a cabeça, um balão
A ser levado pelo vento
Por cima dos campos
Planícies alentejanas
A cabeça em balão
Pelo meio das nuvens
Dos pingos de chuva
Sinto falta da relva
Do cheiro da terra
Dos pés no chão
Da cabeça nas nuvens
Do fogo a queimar-me as faces
De olhar para ele
Através do copo de pé alto, do balão
Do cheiro dos animais
E o sol a queimar-me as costas
E a planta dos pés
A lua cor de laranja
Rebenta a bolha
Não quero mais
Quero para mim o mar
A espuma, o vento frio na cara
Quero vida
Não quero viver num plástico de bolhas
A saltar de bolha em bolha
A desejar um de vinho
De pé alto e balão.
Sei que mais tarde ou mais cedo
Vou fugir
Deixar tudo o que conquistei
Trocar tudo por um copo de vinho
De pé alto e balão
À beira-mar.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Expiação


Nunca me quis expor em espaços públicos
Nunca me quis virar do avesso 
E que me vissem as costuras, os altos e baixos
Os hematomas, as cicatrizes
Ou que me vissem quando sou uma lagoa parada
Não quis falar sobre os sentimentos confusos 
Que variam de hora em hora, dia para dia, 
Mês para mês, de ano para ano. Enfim. 
Os pensamentos sempre saíram em catadupa
Talvez nunca me tenha sabido explicar bem
E as pessoas sempre me aborreceram 
Em determinada parte do caminho 
Nunca quis dizer que era isto ou aquilo
É engraçado como me canso
O cansaço dá-me para chorar 
Não percebo o que é que isso tem de engraçado.
Mas acho graça.
Sinto várias coisas 
Nem sempre abro a porta e entro
Fico só a ver, a observar-me
Deixo tudo na minha cabeça como uma sopa,
Não, talvez antes uma jardineira 
Uma paelha colorida
Mexo tudo com uma colher 
Nunca gosto do sabor quando provo
Falta sempre qualquer coisa
Fica sempre agridoce.
Ou é doce ou é salgado 
É a ocd do palato.
Ocd da escrita
Não posso considerar exposição
Não estou exposta 
Não está aqui ninguém
É a minha expiação
Sempre fui diferente
Falar nunca chegou por mais que dissesse
Preciso de vir aqui
Agarrar-me à parede e vomitar o que não pode ficar cá dentro
Transformar o coração em letras de computador
Separar a alma em parágrafos
Procriar ideias e fazer delas minhas filhas, 
Meus filhos
Cuidar para que cresçam saudáveis  
Sejam especiais e sigam felizes. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Não quero o Natal

Ainda não sinto o Natal por baixo da pele
As luzes não me iluminam nada
Continuo a achar estranho que já estejam ligadas
Ando de cabeça no ar a pensar que deviam desligar tudo
Não sinto o Natal
Nem quando vi aquele grupo muito feliz a cantar na varanda
Vão todos para casa, por favor
Parem de pressionar as pessoas com o Natal
Com aquelas músicas e os ares condicionados no máximo
Mal dei pelo Verão passar
Não me venham falar do Natal,
Do trânsito, compras em cima da hora
A correria de umas casas para as outras.
Deixem-me sossegada.
Não é a época que me vai obrigar a sorrir
Não é.
Não quero ver as vossas árvores de plástico
Quero sentir o cheiro de eucaliptos verdadeiros,
Enterrar os pés na neve e ver o fumo a sair-me
Pela boca.
Quero esfregar as mãos uma na outra e deixar-me
Cair na neve, escorregar no gelo.
Correr atrás de ti com um copo de vinho na mão.
Será que posso ter o meu próprio natal?
Será?
Quero sentidos, não quero o Natal.
Quero que o Dezembro me abrace, não o Natal.
Não quero humanos a saltitarem à minha volta
Vestidos de rena.
Não quero centros comerciais.
Quero que o frio saia de dentro de mim e
Congele tudo à minha volta
Quero patinar, cair, rir-me, rir-me muito.
Não quero bacalhau com batatas cozidas
Quero veludos vermelhos e padrões leopardo
Quero enrolar-me nas luzes de Natal
E dançar ao som de uma música que não fale
De presentes, do dia 25 e de ti.
Ver as estrelas no céu, não no pinheiro.
Não, ainda não sinto o Natal por baixo da pele.
Quero sentidos, não quero o Natal.