domingo, 23 de junho de 2013


A vizinha de cima passa a sopa. O do segundo fura à parede. O do lado seca o cabelo. E eu aqui. Onde não há mar. Cheiro a sardinhas. Apenas o som das teclas. Marcam o compasso das músicas que vou ouvindo. Milhares delas. Horas a fio. Não podendo sair, vivo aqui sentada. A viver mil vidas através de histórias que vou escrevendo. Das personagens que falam por mim, que vivem por mim. É um tipo de expiação. A música faz-me sentir coisas quando acho que estou dormente e que tudo se foi. Levam-me aos sítios onde não posso ir. Não sinto o sol na cara. Não me cheira a sardinhas. Não sinto o calor na pele. O meu pescoço transformou-se num tronco de árvore enquanto repito vezes sem conta: Tu consegues. Tu consegues. Tu consegues.  

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Grande palhaça

Ontem recebo aquela notícia. Uma má notícia. Má é apelido para o que aqui vai dentro. No mesmo dia à noite ligo à minha avó, que me diz ter caído. O meu coração aperta-se, se é que ainda se podia apertar mais. Falo com ela ao telemóvel, queixosa e teimosa não quer ir ao hospital. Telefono-lhe hoje para saber se é preciso ir a sua casa, se quer fazer um raio-x, devíamos ir ao hospital. Diz que não, está só dorida. Peço, que, ao menos, me explique como deve ser o que aconteceu. "Ana Rita, a avó deu uma grande palhaça no Colombo. Dei passagem a uma madame que ia com pressa e não podia esperar. Pensava que estava no último degrau e estava no penúltimo. E não sei como foi, mas voei por ali fora e foi ma grande palhaça que dei. Ajudaram-me. Depois tentei apanhar um táxi, mas ia com dores e ia-me agarrando aos carros que estavam estacionados, quem me visse havia de dizer que ia bêbeda e que já ia bonita. Sento-me no táxi e o motorista estava ao telemóvel e era só alhos e bugalhos, já comigo sentada no banco de trás. E ele naquele disparate. Era um asneiredo que não te passa pela cabeça, Ana Rita. Tive de o descompor, lembrá-lo que estava num táxi público e que eu não era obrigada a ouvir aquele palavreado. Com isto já nem fui ao Colombo ver nada. Só lá fui mesmo para dar a palhaça e me vir embora". - Faz 81 depois de amanhã. Sabe da minha tristeza e arranjou forma de transformar a tristeza e a preocupação que tenho consigo em riso.