Disseram para
os deixar
Para os pôr
de parte e seguir noutras direcções
Disseram que
deixasse os poemas irem
Caminharem
sozinhos
Disseram que
lhes desse asas
Não consigo
Sou a mãe deles
É impossível
uma mãe separar-se dos filhos
Pode
afastar-se, passar tempos fora
Sentir-se
pressionada por eles
Mas abandonar
os poemas: nunca.
São quem eu
sou, fui eu que os fiz
Com amor e
prazer
Mesmo quando
não gosto deles
Não posso
abrir a janela e dizer: adeus.
Disseram que
podia ser mais feliz noutros lados
Ter mais
notoriedade
Compreendo.
Seria até agradável,
Se estivesse
à procura de alguma notoriedade
Ou tipo de
felicidade
É tudo sobre
o isolamento,
O transe em
que as mãos se mexem num teclado
Às ordens
sabe-se lá do quê ou de quem
Um poeta uma
vez disse que a primeira frase
De um poema é
sempre dada por algo divino
O resto é
trabalho.
Só os que
vestem este fato é que percebem
O que ele
quis dizer, só eles
O fato pode
nem sempre servir bem,
Precisar de
umas bainhas, de um botão pregado
Mas a vida é
mais bonita deste lado
A terra vista
daqui é um palácio
O céu é um
mar
Como é que se
deixa isto ir embora? Como?
Não posso
libertar-me da rede
Onde me enrolo
há anos e anos.
Melhor, não
quero.
Tenho que escoar
para algum lado
O que me
corre nas veias
Disseram para
os deixar e eu pensei
É impossível.
Eles perseguem-me para todo o lado
Mais do que
uma sombra,
Que uma
assombração.
Ordenei-lhes
que fossem
Recusaram-se
a ir
Habitam no
meu corpo há demasiado tempo
Sou
propriedade deles por usucapião
São os poemas
quem decide quando ficam
Ou vão. Eu
sou só o mensageiro.
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