quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Chinesa Nua

Chegaste com o teu silêncio
Quando não conseguia ouvir nada
Com um ligeiro sorriso
No meio das lágrimas que caíam
Que me corrompiam e me reviravam toda
Chegaste assim a acreditar nos meus nadas
Nas minhas cinzas
Vi-te calmo ali a olhar para mim
Certo da incerteza que tudo era
Certo das coisas que não conseguia ver
Pegaste em todos os meus bocados partidos
E sentaste-te a colá-los, pacientemente
Ficaste dias e dias a colocar
Tudo no sítio, a construir bocadinho por
Bocadinho, com grande perfeição
Enquanto fazias esse trabalho, eu bebia
Do teu copo que tinha a chinesa nua
No fundo. Ela não me incomodava.
Sabia que enquanto esse trabalho durasse
Tudo continuaria morto e cinzento
As ruas não iam dar a lado nenhum
E tudo continuaria ao abandono
Gostava de ver os comboios passar
Sentia que a vida continuava lá fora
E talvez tu não saibas, mas mesmo aos bocados
Eu amava-te, e era por isso que me arrastava
Na tua direcção sem desistir
Sentia o sangue pulsar no meu corpo
E ia subindo mais um bocadinho
Deixando aquele submundo para trás.
Sabia-me bem o teu silêncio
Enquanto colavas os meus estilhaços
Meia volta sorrias, com os meus bocados nas mãos
Aquele ligeiro sorriso foi puxando o meu
Eu continuava a beber do teu copo
O que tinha a chinesa nua no fundo.
Ela tão muda quanto nós.
A noite ia já a caminho da aurora
Quando terminaste o teu trabalho e uniste
Os dois últimos bocados
Pus-me de pé com os meus olhos enxutos
Com a minha alma renascida das cinzas
A esperança renovada e novos sonhos
Fiquei a admirar aquele belo trabalho e
Corri para ti, abracei-te cheia de tudos.
Beijei-te, enquanto guardava o copo
Da chinesa nua no fundo,
No bolso de trás das minhas calças.


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