sábado, 21 de setembro de 2013

Limpeza Anual

Está na hora de fazer a limpeza anual
Trocar de roupas
Deitar fora o que não nos serve
Mandar embora o que não nos faz falta
Arrumar as prateleiras, esvaziar as gavetas
Passar um pano no passado e no futuro
Puxar o lustro ao presente e deixá-lo a brilhar
As limpezas anuais custam
O pó, o insuportável pó
A mim provoca-me alergias
Uma defesa do meu corpo a coisas estagnadas
Esquecidas pelo tempo
Engolidas por dias cinzentos e aborrecidos

Embalo tudo
Ponho película aderente, muita,
No que não quero ver, devolvo ao remetente
Não me fazem falta, nunca precisei delas
Se não preciso, não as quero na minha vida
Quem é que precisas de coisas
Quando tem sonhos e desejos
‘Águas paradas não movem moinhos’
Disse-me a minha mãe muitas vezes
Está na hora de fazer a limpeza anual
De começar a rezar
De começar a chorar
Dizer adeus às roupas velhas

Acenar aos borbotos e elásticos soltos
Às recordações esquecidas
Que se arrastam sem saberem de onde vêm
Onde moram, quem são
Livremo-nos de tudo que não precisamos
Do que não sentimos,
Que não dissemos por palavras ou afectos
De nada serve. Pesos mortos.
Não se pode viver embrulhado em teias de aranha
Com bolas de naftalina nos olhos e na boca
Sabão azul e branco nas mãos
Recortes de jornais nos ouvidos
Não, não se pode viver assim

Está na hora da limpeza anual
E que no fim se faça o teste do algodão
Em cada palavra, gesto… Poro.
Começo eu.


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