sábado, 3 de dezembro de 2011

- Crónica de uma bailarina em fim de uma carreira que nunca teve -


Consta que a primeira vez que me viram dançar era muito jovem, ainda não falava, mas já batia palmas e bamboleava o corpo ao som de qualquer coisa que se parecesse com música. Mais tarde numa festa, num bailarico qualquer, os meus pais deixaram-me no carrinho a dormir enquanto foram dançar uma das músicas que gostavam, minutos depois entraram em pânico, porque quando olharam para o carrinho eu já não estava. Foram dar comigo a dançar no meio das pessoas às três da manhã. Tinha três anos.
No colégio o meu maior divertimento, para além de colar plasticina nas argolas de ouro, era dançar. Tínhamos um grupo e passávamos o ano inteiro a ensaiar coreografias para o Natal, para o fim de ano,ou qualquer evento que se justificasse dançar.
Na altura começaram os pedidos para fazer ballet, mas para quem morava nos arredores de Lisboa, este era um desejo difícil de concretizar. Nos arrabaldes não havia nada e era preciso que os dois pais tivessem carta de condução para agilizar a coisa. O colégio foi prometendo uma professora de ballet que nunca apareceu, e fui matando o bichinho como podia e sabia.
Nos cortinados de casa, tentava elevar a minha perna o mais alto que podia e fazer a espargata, sem sucesso, como é evidente.
Na escola tinha outro grupo de amiguinhas com quem dançava, ficávamos fechadas durante todos os intervalos a dançar. Não havia cassete dos Onda Choc que nos escapasse, todas as músicas sabidas de cor e coreografadas. Nem vou entrar pelos anos passados a dançar a lambada da Kaoma, isso são outros quinhentos.  
Ao onze, entrei num grupo que fazia espectáculos locais (e se me puser a pensar bem, aquilo não tinha jeito nenhum, era divertido, mas as roupas eram feias que doíam, tudo em justos), chamava-se “Coquetes”, bolas, nem o nome era bonito, mas era o que havia.
À medida que as pernas foram crescendo em comprimento e largura, a espargata tornou-se um sonho posto de parte, mas fazia muito bem a posição do avião e dava umas belas piruetas apatetadas, ainda as sei fazer.
Seguiram-se uns anos de aeróbica e step na escola,. as danças de salão e o hip hop, sempre a dançar e com o objectivo de fazer alguma coisa com aquilo.
À parte disso, escrevia desde os oito e começava a perceber que se me dessem música, uma caneta e umas folhas de papel, seria uma pessoa feliz.
Os anos passaram e percebi que dançar era giro, fazia-me feliz, mas não tinha formação nenhuma, nada de sério e saber as coreografias dos Onda Choc não era uma mais valia para o meu currículo.
Numa noite vi a minha amiga dançar e quis fazer o mesmo, quis experimentar e em poucas alturas da minha vida me senti tão bem, escrevia e dançava, mas nem sempre conseguia gerir as duas coisas, não batiam muito certo. Para além dos rótulos e preconceitos absurdos, de pessoas que se dizem modernas e muito à frente no seu tempo. Sim,  descobri que há pessoas preconceituosas com quem dança, pior para elas, penso eu.
Uns meses depois apareceu o programa, aquele em que chamaram para dançar, tive os meus cinco minutos de fama e uns bons meses de felicidade, um tipo de felicidade que poucas pessoas devem ter experimentado. 
Hoje, se me lembrar do que foi aquilo, tenho vontade de me rir, é tudo muito parvo, disparatado e nonsense. Sei que a pessoa que foi para lá, não é a mesma que está aqui a escrever. Ainda bem que foi a outra pessoa a ir , de outra forma não teria conseguido ser tão feliz no tempo que aquilo durou. Continuei a dançar alguns meses depois e parei, por cansaço, exaustão, porque queria outras coisas e fui à procura delas.
Passados quatro anos, estava a arear os bicos do fogão (juro que estava, uma dona de casa faz estas coisas), telefonaram-me, uma pessoa do grupo que ia dançar para o Porto tinha adoecido e lembraram-se de mim. Senti mil borboletas no estômago, já não dançava há tantos anos, não tinha roupa, nem sentia que estivesse na melhor forma, mas quando olhei para mim, já estava no carro a caminho do Porto.
Dancei, dancei e dancei tudo o que já não dançava há muito e as borboletas que percorriam o meu corpo faziam-me sorrir, porque eu gostava mesmo daquilo. Foi a última vez que dancei naqueles moldes.
Três anos se passaram desde essa vez, não tenho vontade de o fazer, estou bem, mas ainda hoje devem existir poucas coisas que me façam tão feliz como dançar, como o ambiente de uma festa, música e ver as pessoas felizes e divertidas.
A minha certeza é que enquanto tiver pezinhos para dançar (mesmo que venham a ter joanetes) e mãos para escrever, serei uma pessoa feliz. Não tem a ver com idade, nem é defeito, é feitio, e se é feitio, dancemos, então,  até que as pernas nos doam. Amém.

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